quarta-feira, setembro 06, 2006

Fredo

A biblioteca da universidade estava lotada. Estudantes, sentados nas velhas mesas de madeira escura, faziam pesquisas, debruçados sob pilhas de livros, outros caminhavam entre as altas estantes cheias de livros, procurando algo de interesse. No horário da manhã o movimento sempre era grande, e as bibliotecárias sempre passavam trabalho para organizar a bagunça deixada pelos freqüentadores. Alguns eram tão assíduos que eram conhecidos por nome e sobrenome, número da carteirinha e curso. Mas nenhum era tão conhecido como Fredo.

Fredo era uma lenda na biblioteca, estava por lá a cerca de vinte e cinco anos. Poucos sabem muita coisa sobre ele, sua história é envolta de lendas e mistérios. A única funcionária que estava lá no dia em que ele chegou era Norma, a bibliotecária chefe, uma senhora simpática, de baixa estatura e cabelos grisalhos, que sempre tinha um sorriso nos lábios, entretanto ela sempre desconversa quando perguntada sobre Fredo. Quando fala alguma coisa, diz apenas: “Frederico é apenas um rapaz ocupado”. A lenda mais conhecida sobre ele, é que em um dia de chuva, Frederico, um estudante de medicina, foi à biblioteca fazer um trabalho sobre anatomia, e ficou dias tentando acabá-lo, mas na sétima noite do sétimo dia, ele ficou louco e nunca mais saiu de lá. Outras lendas dizem que ele foi possuído pelo espírito do arquiteto; mas são apenas histórias.

No começo, achavam que ele sairia logo, mas todo dia pegava mais livros para estudar. Quando acabaram os de medicina, ele passou para matemática e agora estava acabando os de física. Como nunca saia da biblioteca, Norma começou a comprar as refeições do rapaz, sempre um prato com comida do restaurante universitário. Ele também dormia ali, debruçado sobre a mesa. Apesar da aparência maltrapilha, barba e cabelos compridos e desorganizados, sempre fazia sua higiene pessoal no banheiro. Suas roupas eram doadas por outros freqüentadores da biblioteca. Sua mesa era exclusiva, ninguém podia sentar lá, se não era expulso por berros, ou até por livros e borrachas atirados por Fredo contra o invasor. Um trote clássico era mandar algum calouro no lugar de Frederico quando este ia ao banheiro. Sempre rendia boas risadas. A mesa também apresentava rabiscos dos cálculos mais variados: desde simples divisões até as mais complicadas funções logarítmicas, e diversas folhas de caderno amassadas, que ficavam se acumulando até que ele resolvesse jogá-las no lixo.

Apesar das aparências, todos respeitavam Fredo. Alguns por medo, outros porque ele nunca fazia mal a ninguém. Algumas vezes até tirava duvidas dos estudantes, mas essas eram raras, geralmente ele os deixava falando sozinhos. A única pessoa com quem ele falava, mesmo que pouquíssimo, era Norma. Ela tratava-o como um filho, e muitos desavisados achavam que ela era sua mãe mesmo.

Agora no meio da manhã, ele estava debruçado sobre sua mesa, escrevendo rapidamente, com um brilho diferente nos olhos. Estava diferente a manhã toda, se comunicava mais, até cumprimentava algumas pessoas que passavam por sua mesa. De repente, parou, levantou a folha na frente do rosto, para conferir seus cálculos. Um sorriso se abriu, revelando os dentes amarelados pelo café, e ele se levantou gritando animado, “Acabei!”. A biblioteca parou e todos o olharam. Ele recolheu suas coisas, cumprimentou Norma e saiu da biblioteca com um largo sorriso no rosto. Ninguém entendeu nada, e ele nunca mais voltou.



Dedicado ao Lucas, e às conversas insanas na biblioteca.

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