sábado, julho 29, 2006

Ela estava lá, simplesmente a atravessar.

Angústia; medo. Sentada em sua cadeira de balanço, idosa e sábia amiga, ela olha para a avenida movimentada lá em baixo quando de súbito surge em sua frente, como um anagrama decifrado, a resposta sobre nós; os supostos seres racionais. Ela vê uma imensa tela pop representando a sublime fusão de duas simples embora temidas palavras: angústia e medo.

Temos medo. Medo de rir; medo de chorar; medo de quebrar; medo de confiar; medo de pecar. Por quantas vezes não contemos o riso e seguramos o choro simplesmente pelo fato de que nenhuma outra pessoa na sala sorri ou derrama uma lágrima. Inúmeras foram as vezes em que hesitamos arriscar, ousar, gostar, perdoar. Portanto, como uma óbvia conseqüência, a angústia vem e instala-se, diariamente lembrada e maliciosamente disfarçada: estresses, depressões, doenças.

Depois procuramos saídas: remédio, análise, terapias. Ou senão apelamos: agonia, hipocrisia, rebeldia. Uma extensa trajetória então percorremos e no fim infelizmente muitos de nós terminamos tão medrosos e angustiados quanto estávamos no princípio. Terminamos vazios. Triste fardo.

Ah, mas aí vem o alívio! Felizmente sabemos que também há aquele que percorre o mesmo caminho, a mesma estrada, porém encontra um desfecho que surpreende até mesmo a ele. Num dia qualquer, como em um estopim, ele estaca, e no meio da mesmice a enxerga, imensa, intensa. Finalmente vê a tela, surgindo de onde ela sempre esteve: do outro lado, era só olhar.

Feliz, ela se levanta, vai à cozinha e após o substancioso lanche da tarde, deita-se em sua cama e morre. Cheia.

sábado, julho 22, 2006

Despertar

Lá fora há flores, rios, campos, montanhas, nuvens, o Sol, pessoas, a vida. E você passa seus dias aqui, nessa escuridão, sozinho, apenas com seus pensamentos, esperando que todos concordem com você, mesmo sem saber o que você quer. O que você está fazendo? Ainda não percebeu? Você não está sozinho. Existem muitos como você. Poucos ousaram tentar escapar, e você pode ser um dos que conseguiram. Está com medo? Tolo. Não há o que temer. Olhe para mim. Não pense desse jeito. Você vai conseguir. É simples. Vamos. Não tenha medo. Quebre o muro. Eu te espero lá fora.

segunda-feira, julho 17, 2006

Saciado

Sentada como todos os dias naquela cadeira que de forma peculiar já era sua, eu a observava. Começo então a refletir sobre todos os anos em que passei ao lado desta mulher, tudo o que nós passamos juntos, as crises, as vitórias, o tetra, o penta, quem sabe o hexa... Tudo vinha numa avalanche de sentimentos que tive que me controlar para não chorar ali diante dela, mas era tão intenso que agora acho que deixei de alguma forma transparecer o que sentia naquele momento.

Lembro do primeiro dia que parei pra perceber o que ela representava realmente na minha vida, confesso que foi em um momento de raiva, desejei nunca ter a conhecido, queria poder nunca mais encontra-la. Contudo por mais que eu forçasse a nossa separação, algo continuava nos unindo, uma força maior, algo inexplicável, mágico. Eu sei, eu sei, toda essa ladainha de forças e energias que unem duas pessoas, metade da laranja, tampa da panela, isso tudo já é tão batido, porém foram esses os únicos termos que encontrei para dar forma o que pra mim era imaterial.

Ali, na minha frente, nada mais comum que isso afinal já são 20 anos em que sentamos de frente um para o outros todos os dias, percebi que não poderia viver sem essa mulher, indubitavelmente não conseguia imaginar o mundo sem ela, amava-a. Amava esta pois foi ela a única a estar sempre apoiando meus planos, minhas ambições, enxugando minhas lágrimas quando não dá certo, afagando-me em seus tenros braços, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.

Seu prato estava já no fim, ela então percebe o meu momento de contemplação. Um pouco envergonhada ela cruza seu olhar com o meu, sorri um sorriso tão cativante tal qual sua própria pessoa e me pergunta com sua voz eternamente doce:

- Filho, já acabou?

- Sim mamãe; já não sinto fome. – respondo eu

Não consigo segurar, por entre meus lábios que agora também abrigam um sorriso, choro. De felicidade.

quinta-feira, julho 13, 2006

Ele, I.M.L nº. 433

Uma luz se acende e ele a observa; melancólico. Numa nebulosa noite de inverno vê-se uma janela pequena; como um único ponto no breu de uma madrugada fria. Madruga essa onde a maioria sonha e anseia as mais profundas vontades; quantos não são os incontáveis segredos revelados em apenas uma única noite; quantas não são as invenções idealizadas; quantas não são as tristezas relembradas. Porém, lá está um pedaço da noite que acaba de se iluminar.

Do lugar onde se encontra, o sujeito pouco consegue discernir o emaranhado de edificações, as milhares de janelas. Contudo, ele vê, como uma rosa que nasce na savana amarela, uma janela que acaba de acender. Ele então se questiona do por que a pessoa que habita a janela também não está sonhando? Por que ela também não consegue dormir? Por que somente esta, dentre várias, tocou o interruptor às três da manhã?

Ele pensa na possibilidade de existir outra pessoa como ele, e tão perto, logo ali, duas ruas depois da sua. Pensa se existirá mesmo um outro alguém que não se sinta parte desse mundo, onde uma marca numa camiseta vale mais do que uma boa ação ou uma ajuda espontânea. Existirá mesmo outrem que se indigne ao assistir crianças desde pequenas aprendendo a levar vantagem sobre o outro, sendo induzidas a burlar leis e condutas cada vez mais cedo. Uma faísca de esperança ousa nascer nos pensamentos dele.

Contudo ele não se ilude novamente. Daquele coração experiente e castigado nada mais germinará. Não há mais como mudar; as raízes do problema, segundo ele, já estão tão profundas que envolvem todo o planeta. Não há mais retornos a se tomar.

Uma brisa leve e fresca sopra. Ele cai. Ouve-se um baque surdo e vazio na noite. A luz se apaga. A cidade dorme.