sábado, agosto 12, 2006

Felicidade Suspensa

O quarto está em silêncio. A janela, como de hábito, deixa entrar brisas leves remanescentes da madrugada, embalando habilmente a coreografia das cortinas.

Barulhos de chinelos no chão vêm do andar superior. Um celular toca pontualmente às seis horas. Lá fora a noite ainda se faz presente quando ele se levanta em direção ao seu amigo barulhento de todas as manhãs a fim de desligá-lo. Sua vista ainda não consegue captar todo ambiente enquanto ele vai esquecendo de todos os sonhos que tivera na noite anterior.

Seis bolachas de água e sal, meia tigela de cereal, um café magro. No elevador ele desce à garagem com mais duas pessoas, olhos fixos no ponto onde a cada andar um numero cresce, ou decresce. Embora o marcador esteja desregulado há mais de um ano.

O carro é do ano; o paletó, importado. Ele resolveu – ou quem sabe esqueceu – que não iria usar gravata hoje, e sai da sua escura moradia. Lá fora o dia, mesmo com um céu límpido, já é tempestuoso. Milhares de pessoas estão nas ruas: vendedores ambulantes, trabalhadores, idosos abatidos na fila da previdência. Ele pára no sinal vermelho. Passa a mão na maçaneta da porta e no ativador do vidro elétrico tal qual um profissional ao mesmo tempo em que olha para os dois retrovisores. Nenhum perigo à vista.

Um Mercedes-benz, abarrotado de pessoas, para ao lado de seu carro. Muitas dessas pessoas estão de pé, poucas são as sentadas. Um homem, portador de um bigode espesso e grisalho, olha para o interior do carro dele. Então ele pensa: “Já está na hora de eu colocar uma película mais opaca”. O homem do Mercedes abre um largo sorriso e acena para ele enquanto se distancia pelas ruas. O sinal abre, uma buzina insistente chega aos seus ouvidos e ele arranca logo após o homem sumir de sua vista.

Chegando ao escritório nota, pela primeira vez, o livro que sua secretária lê: “Pequenos Milagres – Coincidências extraordinárias do dia-a-dia, editora sextante”.

Dentro da sala, ele se dá conta de que nunca havia aberto as persianas que protegem a janela da luz exterior. Ergue então o mecanismo de cordas fazendo com que fulgurosos raios matinais adentrem na sala e iluminem as partículas suspensas pela poeira da persiana pouco usada.

Neste momento passa um limpador de vidro pelo seu andar, é o mesmo homem do ônibus, o mesmo bigode grisalho que mais cedo havia acenado para ele. O homem, mais uma vez, não hesita em abrir um belo sorriso no seu rosto castigado e segue o seu trabalho.

Rodrigo fica sozinho diante as janelas limpas. Resolve abri-las. Observa os passantes na rua e consegue diferenciar aquelas pessoas que estão satisfeitas ou tristes com a vida somente pelo modo de andar particular de cada uma.

Depois de certo tempo observando a tudo estaticamente, sente a mesma brisa leve que entra em seu quarto todas as manhãs tocando o seu rosto.

Sorri.

A felicidade é óbvia.

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